“Caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar se faz caminho,
e ao voltar a vista atrás,
se vê a senda que nunca
se voltará a pisar.”
Parte mais conhecida do poema mais famoso do escritor espanhol Antonio Machado, o trecho acima é perfeito para o primeiro post deste ano, que tem como destino o Monte Roraima, na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Trata-se de um dos trekkings mais desejados do Brasil, com caminhada de três dias para se alcançar o alto da montanha. Lá em cima, há muito para se ver. Permaneci quatro noites na última viagem que fiz, em fevereiro do ano passado. O primeiro trekking para Roraima foi em 2010 e, embora percorresse os mesmos “caminhos” no ano passado, nunca se faz a mesma viagem. É por isso que, mesmo já tendo visitado o Monte Roraima duas vezes, ele segue na lista de viagens que ainda quero fazer.
Portas e janelas no Monte Roraima? Sim, e além daquelas da barraca – afinal, toda a viagem é em acampamentos. Como “molduras”, as janelas, para mim, podem estar em qualquer parte, assim como as portas, que podem ser a “entrada” de qualquer caminho. Para quem só ouviu falar do Monte Roraima quando ele foi parar na abertura da novela das 9 da Rede Globo, “Império”, vale contar um pouquinho sobre essa montanha-mesa, com área de cerca de 40 km² no topo, a 2,7 mil metros do nível do mar. Lá no alto, há a tríplice fronteira Brasil-Venezuela-Guiana, sendo que apenas 10% do território é brasileiro – mas é nessa porção que há um dos “acampamentos” mais bonitos, o Coati. Em plena savana venezuelana, o Roraima é um dos “tepuys” (nome que os indígenas deram a essas formações de montanhas-mesa) da região, que inspirou o livro “O mundo perdido”, de Arthur Conan Doyle, mais conhecido pela criação de Sherlock Holmes.
Na primeira foto, formações servem como moldura no alto da montanha; na outra, a vista a partir da porta da barraca, na base do Roraima
Para chegar à base da montanha, caminha-se dois dias pelo Parque Nacional Canaima, da Venezuela. O primeiro acampamento, Rio Tek, é às margens do rio de mesmo nome e tem alguma estrutura, já que vivem por ali os indígenas de Paraitepuy, onde tem início o trekking. É o mais confortável dos acampamentos, mas está longe de ser o mais bonito. Depois do segundo dia de caminhada, já se acampa na base da montanha. Para chegar lá, no entanto, há um dos trechos mais difíceis da caminhada, quando se atravessa o Rio Kukenan. Guias e carregadores que fazem parte da expedição ajudam na travessia (os carregadores transportam alimentos, utensílios e barracas, mas que não quer levar sua pesada mochila, também pode contar com um carregador pessoal).
A subida não é difícil, embora seja uma “escalaminhada”, exigindo mãos livres durante a trilha. Lá no alto, o esforço é recompensando com o incrível visual da savana venezuelana, do Monte Kukenan, outro tepuy da região, e de todas as formações por ali espalhadas. No alto, o acampamento é montado em algum dos “hotéis” à disposição, ou seja, as cavernas que protegem de sol e chuva. Como hotéis, realmente, esses locais têm nomes próprios, como o Coati, no lado brasileiro, e o Guacharo, na Venezuela. Cada um tem seu atrativo especial. No primeiro, a algumas horas de caminhada do ponto de subida da montanha, avista-se o “Roraiminha”, outro tepui, mais baixo que o Roraima, como o nome indica, enquanto o Guacharo proporciona a vista para a trilha realizada nos dias anteriores e parte da savana.
A vida lá no alto tem longas caminhadas, para conhecer o máximo possível da superfície da montanha. Entre os atrativos, aqueles “must see” lá do alto, estão a Tríplice Fronteira, o Lago Gladys, as formações conhecidas como Jacuzzis, a cachoeira Catedral, o Maverick, cume da montanha, e O Fosso, uma espécie de poço circular visto do alto – e que pode ser acessado por uma trilha pelos corajosos que quiserem experimentar a temperatura “congelante” de suas águas. Cada uma dessas formações pode ser um post diferente – e vou fazer isso em breve, para não alongar muito este já extenso post.
A descida do Monte Roraima é mais rápida, leva apenas dois dias. Do alto da montanha, volta-se para a base e para o primeiro acampamento, Rio Tek. Lembram da estrutura que contei que existia nesse acampamento? No retorno, é irresistível brindar com uma deliciosa cerveja quente – afinal, não há energia elétrica. Depois é dormir a última noite na barraca para, no dia seguinte, percorrer os 15 quilômetros que separam Rio Tek do ponto de início da expedição. E é impossível não olhar para trás nesse trajeto.
Em tempo: nas duas vezes em que estive no Monte Roraima, fui levada pela Roraima Adventures, agência com sede em Boa Vista. O trabalho do Magno, seu proprietário, é cuidadoso – com os clientes e com a preservação do local. Nenhuma expedição começa sem a reunião prévia com Magno, uma espécie de “morde e assopra”. Para cada foto apresentada da montanha, um “porém”, uma “precaução”. Nessa reunião são esclarecidas questões prática da vida no Monte Roraima – da água potável e alimentação, ao uso do banheiro em acampamentos, passando pelas roupas e materiais que devem ser levados.
Feliz Ano Novo! Que 2016 venha cheio de bons caminhos, portas e janelas abertas!