Nada de escrita, nem mesmo agricultura. Ok, estamos falando de 17 mil anos atrás. O destino que a família da arqueóloga Cláudia Plens visitou na França, no último verão, guarda os registros dessa época. E ela conta pra gente como foi a experiência de conhecer Lascaux, sítio arqueológico mais famoso do país, localizado em uma caverna de baixa umidade, o que permitiu que as narrativas esculpidas nas paredes perdurassem até nossos dias. A viagem de Cláudia pela França incluiu também a região da Borgonha, tema de outro post. Já leu? Clique aqui
“A extensa planície campestre francesa que se estende por quilômetros, em um tom de verde claro, com suas dezenas de rolos de feno espalhados pelas fazendas, de repente se transforma e dá lugar a montanhas e vales, com mata mais densa e com uma gama de verdes variada e vibrante. Uma transformação inexplicável, onde a úmida atmosfera revela o aroma herbal que penetra pela janela do carro.
Estamos na região da Dordonha, na misteriosa cidade de Montignac, entrecortada por dezenas de ruas do século XIV e XVI. Nas águas do rio Vézère, que corta a cidade, o que se vê à noite são os reflexos de luzes e construções medievais. Ao fundo, sob cintilantes estrelas, a histórica ponte reconstruída inúmeras vezes traz à mente cenas históricas, de lutas e recomeços. Uma caminhada às margens do rio durante a madrugada de um dia quente de verão, com uma brisa leve e refrescante é propícia para aguçar a criatividade. Uma sensação de leveza e liberdade permirte sair de nós mesmos para entrarmos em pensamentos sobre outro mundo, outras histórias, outras realidades.
O sol se levanta e agora estamos em busca de histórias ainda mais remotas, memórias que narrem como era essa intrigante paisagem em um período em que não havia livros, nem escrita, nem mesmo a agricultura. As narrações de como era a relação entre as pessoas e a paisagem foram contadas por meio de pinturas de cervos, bisões, bovídeos, felinos, cavalos, cabras, figuras humanas e sinais abstratos, por habilidosos artistas, há 17 mil anos.
Nosso destino é Lascaux. Mundialmente conhecida, Lascaux é localizada em uma colina calcária, cuja singular baixa umidade encontrada dentro da caverna possibilitou que essas narrativas fossem preservadas até os dias atuais, causando fascínio e espanto em apaixonados pelo passado e arte do mundo todo. Os animais representados faziam parte do cotidiano das pessoas da região, era o alimento e, provavelmente, representavam mitos que explicavam o mundo e os medos do que era inexplicável, pelo menos é o que dizem os arqueólogos.
Para manter a preservação desse sítio arqueológico reconhecido como Patrimônio da Humanidade pela Unesco, Lascaux foi fechada e não é mais possível o turismo na gruta. Mas dada a importância de que humanidade conheça as narrativas desse passado remoto, uma réplica da caverna, com suas pinturas minuciosamente trabalhadas, inclusive com a temperatura do ambiente semelhante, faz com que o visitante se sinta na caverna original. Oportunidade rara de entrar em contato com um mundo tão antigo e tentar conhecer um pouco sobre nossos antepassados.
Depois dessa aventura arqueológica, é hora do almoço e, para se conhecer melhor a região, nada como uma refeição com produtos regionais para sabermos um pouco mais da vida dos habitantes locais. Novamente às margens do rio, a brisa reconfortante nos deixa à vontade para um banquete fartíssimo. Pratos derivados de porco e, sobretudo deliciosas variações de pato, nos extasiam. No final da tarde, o céu escuro pelo tardar do dia e pelas nuvens de chuva que se aproximam para renovar o ambiente de múltiplas histórias, mais um encantamento, em meio às casas antigas do centro da cidade, um belíssimo arco-íris, como nos saudando com o fim da mágica visita. Uma enigmática fotografia que se preserva na memória.
Montignac permite diversas visitas e passeios, é um lugar para uma rápida parada para conhecer os sítios arqueológicos mais antigos do mundo e também para os amantes da natureza. Para aqueles que queiram desfrutar por mais tempo, deixando que as múltiplas histórias contadas pelas construções aflorem os sentidos, certamente terão na imaginação histórias que podem se passar em qualquer período dos últimos 20 mil anos.”
As fotos da viagem de Cláudia: